sábado, 7 de janeiro de 2017

Notas sinceras

Acordei sem banho, isso vem primeiro. Minha noite foi bem dormida. Assim que fechei a porta do quarto ele se tornou meu mundo, o único existente. Respirei fundo e quebrei na mente o impulso diabólico de, por todo o tempo, colocar coisas na cabeça, retirar coisa da cabeça. Por alguns minutos me concentrei nas partículas invisíveis das quais são feitas as coisas e os pensamentos. Depois agradeci aos tijolos e às portas de madeira, ao asfalto lá em baixo na rua, e finalmente, bem fraquinho ao solo e à água que passam debaixo dele. Todas essas coisas sou eu mesmo, no fim. Ninguém me deve nada. Nem respeito, nem consideração, nem gratidão, nem fidelidade, nem reciprocidade de nenhuma forma. Ninguém me deve nada. Quando eu me esqueço disso não corro nenhum risco de ser livre. Me amarro pelo ressentimento, pelo despeito e pela expectativa a tudo aquilo que independe de mim mais ainda que minhas próprias ações, elas mesmas imponderáveis, determinadas, do começo ao fim, pelo meu nascimento.
Acordei acariciado por incômodos antigos e com vontade de consertar o mundo com conhecimento. O conhecimento estava em mim e de mim ele transbordava afogando toda a humanidade em pacífica beatitude e fraternidade. Depois eu pensei "bobagem!" e tomei meu café acompanhado de pão com manteiga. Até quando eu terei café e pão com manteiga? Não importa. Quando não tiver eu lidarei com o fato de não ter e disso algo de bom surgirá, sem dúvida. Enquanto tem, tem. Ótimo.