quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Mais um passo

"Esses movimentos involuntários da mente, eles vêm e vão. Acontece que desde ontem eu decidi não dar mais atenção a eles." Essas palavras caíram como um raio na mesa que eu havia escolhido para passar as últimas horas. Elas vinham do sussurro displicente e rouco disparado por um adolescente que tinha acabado de chegar. Ele estava encostado no balcão e dirigia suas novas conclusões à moça que lhe servia o café. Essa moça era a funcionária do bar e estava apenas fazendo seu trabalho, enquanto ouvia com uma indiferença inigualável as verdades e mentiras gratuitas que lhe atiravam.
Fechei meu livro e comecei, discretamente, a anotar as palavras ditas pelo adolescente. Ao perceber essa minha atitude, a mente do rapaz fez um de seus movimentos involuntários e por pouco ele não começou a se sentir como um grande sábio. Deixou que a coisa passasse pela mente sem alimentá-la.
Decidi sair e pegar o ônibus. Ao meu redor quatro conversas eram distinguíveis. Elas tinham a função de contaminar o ônibus inteiro com ressentimentos e invejas inconfessáveis. O ódio que transbordava nos juízos ditos a respeito de terceiros ia preenchendo todos os espaços até que sufocasse mesmo os passageiros mais silenciosos. Claro, ao ouvir a história sobre a secretária do chefe, que é uma mulher "falsa, oferecida e incapaz de cuidar da própria vida", começou a brotar na mente da japonesinha sentada logo ao lado, sua lembrança sobre o tanto que era inconveniente a Rita, que todos os dias na faculdade precisava relatar quantos sapatos e vestido novos e não sei mais o que, tinha comprado e era muito caro, etc. Daí a japonesinha, sem perceber, logo estava rangendo os dentes e agarrando com ainda mais força seus cadernos.
Desci do ônibus e comprei uma cerveja. "Isso não tem conserto."
Com certeza ninguém faz por mal. Seria mais fácil se fizesse.
Cheguei em casa e fui direto pro quarto. Minha cama não estava. Deitei no chão e comecei a ouvir um ruído. Era o prédio ao lado que estava desabando. Mais um ruído e caiu mais outro prédio, bem de frente, bloqueando a rua.
Continuei deitado e senti paz de espírito.

Um comentário:

  1. É um prazer te ler, Arthur. Vai parecer esses comentários de gente velha na internet, mas mano, não pare de escrever; esse seu jeito organizado de por a expressão dá um gosto dahora para o que quer que corre pela frase, quanto mais misturando o registro cotidiano com a imaginação delirante, ha!

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