segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Otimismo parte 3: a inconformidade

Saí da cama sem nenhuma pressa, eram quase nove horas. Ontem pedi demissão meio como surpresa pra mim mesmo, sem planejamento, sem avaliação do que se perde e do que se ganha. "Se todo mundo pudesse fazer assim, a civilização desabaria?", pensei.
Saí pra rua, andando sem lugar definido para ir, e conforme minha latinha de Bavária chegava ao fim, alguns pensamentos me faziam rir sozinho. Eu tentava disfarçar dos passantes o riso sem propósito visível.
Entrei no supermercado para comprar mais uma e me deparei com a vidinha besta e mal paga das moças dos caixas. Ocupadas com serviço tedioso, distraídas com intrigas vazias, mesquinharia, enquanto lá fora o sol ia fritando o asfalto. De todo modo, me limitei a recusar a Nota Fiscal Paulista e entregar dois reais em moedas miúdas. Já saí bebendo e fui na direção do mar.
Me sentei e fiquei lá olhando as ondas. Algumas imagens de futuros possíveis vinham chegando e eu não estava interessado. As referências do passado, por sua vez, iam se dissolvendo fácil na cerveja bebida antes do almoço. A inconsistência do instante, então, se mostrou com solidez. "O agora, ao negar-se a si mesmo, enfim apresenta-se como o real de fato", pensei.
Tomei mais um gole e decidi andar, mas assim que me levantei do banco encontrei debaixo dele um pedaço de papel com coisas escritas à lápis. Era um bilhete que dizia o seguinte:
"Aquilo que você gosta em mim é justamente o que eu não posso mais ser. As coisas que eu digo, que você considera agradáveis de se ouvir, são bem aquelas que agora já não me interessam. O que você acha que precisa me contar eu já não quero saber. Que fazer então com toda essa nova inconformidade?"
Assim que acabei a leitura do bilhete não pude evitar achar muito estranho que uma pessoa tivesse a insensibilidade de escrever tais grosserias a quem quer que fosse. Guardei o papel no bolso e segui o rumo.


quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Mais um passo

"Esses movimentos involuntários da mente, eles vêm e vão. Acontece que desde ontem eu decidi não dar mais atenção a eles." Essas palavras caíram como um raio na mesa que eu havia escolhido para passar as últimas horas. Elas vinham do sussurro displicente e rouco disparado por um adolescente que tinha acabado de chegar. Ele estava encostado no balcão e dirigia suas novas conclusões à moça que lhe servia o café. Essa moça era a funcionária do bar e estava apenas fazendo seu trabalho, enquanto ouvia com uma indiferença inigualável as verdades e mentiras gratuitas que lhe atiravam.
Fechei meu livro e comecei, discretamente, a anotar as palavras ditas pelo adolescente. Ao perceber essa minha atitude, a mente do rapaz fez um de seus movimentos involuntários e por pouco ele não começou a se sentir como um grande sábio. Deixou que a coisa passasse pela mente sem alimentá-la.
Decidi sair e pegar o ônibus. Ao meu redor quatro conversas eram distinguíveis. Elas tinham a função de contaminar o ônibus inteiro com ressentimentos e invejas inconfessáveis. O ódio que transbordava nos juízos ditos a respeito de terceiros ia preenchendo todos os espaços até que sufocasse mesmo os passageiros mais silenciosos. Claro, ao ouvir a história sobre a secretária do chefe, que é uma mulher "falsa, oferecida e incapaz de cuidar da própria vida", começou a brotar na mente da japonesinha sentada logo ao lado, sua lembrança sobre o tanto que era inconveniente a Rita, que todos os dias na faculdade precisava relatar quantos sapatos e vestido novos e não sei mais o que, tinha comprado e era muito caro, etc. Daí a japonesinha, sem perceber, logo estava rangendo os dentes e agarrando com ainda mais força seus cadernos.
Desci do ônibus e comprei uma cerveja. "Isso não tem conserto."
Com certeza ninguém faz por mal. Seria mais fácil se fizesse.
Cheguei em casa e fui direto pro quarto. Minha cama não estava. Deitei no chão e comecei a ouvir um ruído. Era o prédio ao lado que estava desabando. Mais um ruído e caiu mais outro prédio, bem de frente, bloqueando a rua.
Continuei deitado e senti paz de espírito.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Imponderáveis

O ônibus às vezes demora pra chegar. Os momentos de espera são sempre mais difíceis quando a gente acha que a vida tem um sentido. Uma vez abri um livro para transformar a espera em tempo útil. A leitura, no entanto, ia emperrada pelo pensamento insistente que dizia que fazendo isso eu encontrava sentido pra vida fora da vida, na vida escrita há décadas. Complicações.
Melhor deixar de lado a literatura e observar as pessoas. Elas são sempre as mesmas, é uma fatalidade. Comprei uma cerveja e isso sim mudou as pessoas. O ônibus chegou e eu subi com a latinha aberta, nenhum problema.
Mesma coisa é a fila do banco. Nos filmes essas coisas até acontecem, duram alguns segundos pra simbolizar o tédio. De outro modo, aparece alguém com a audácia de dizer algo extraordinário, puxar conversa. Na vida real isso seria um privilégio. Segue a espera. Às vezes a gente espera por algo importante, por algo que exige tempo mesmo. Já outra coisa é esperar para pagar uma conta, para resolver detalhes burocráticos, mal entendidos de contratos. Diante desses momentos inevitáveis, a sanidade depende da confiança na aleatoriedade despropositada da Vida. Pequenas alegrias irão compensar tais amolações.
Quando chegou minha vez perguntei, "Mas e a soma das esperas todas? Há tempos curtos e tempos longos. Quero viajar no fim do ano que vem, por exemplo. Até lá preciso juntar dinheiro, resolver as coisas, finalizar compromissos." - "Esperando o que? Esperando por que?", respondeu o atendente. Peguei meu boleto e fui embora.